Audiência discute questão racial em livros escolares

13/09/12

Do site do STF (12/09): Em audiência de conciliação realizada na noite desta terça-feira (11), no gabinete do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, representantes do Ministério da Educação e do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA) concordaram em se reunir novamente no próximo dia 25 para o detalhamento de uma proposta de acordo para a implementação de políticas públicas relativas ao tratamento das relações étnico-raciais nos livros adotados pelo sistema nacional de ensino.
A audiência foi convocada pelo ministro Fux, relator do Mandado de Segurança (MS) 30952, no qual o IARA e o técnico em gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto pedem a anulação de um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) que, segundo os autores, teria liberado a adoção nas escolas do livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, cujo conteúdo faria “referências ao negro com estereótipos fortemente carregados de elementos racistas”.
O MS 30952 pede ainda, no caso da manutenção do livro nas escolas, que estes tragam nota explicativa sobre a presença de estereótipos raciais na literatura, e que sejam adotadas medidas de capacitação e formação de educadores para que a obra seja utilizada de forma adequada na educação básica. Participaram da audiência também a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, e representantes do Conselho Nacional de Educação, da Advocacia-Geral da União e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.
Parecer
O primeiro ponto no qual a audiência avançou foi a desistência do pedido de nulidade do Parecer nº 6/2011 do Conselho Nacional de Educação. Este documento reexaminou e substituiu o Parecer nº 15/2010, que continha orientações para que a Secretaria de Educação do Distrito Federal se abstivesse “de utilizar material que não se coadune com as políticas públicas para uma educação antirracista”. No MS 30952, o IARA pretendia a anulação do Parecer nº 6 e a homologação do Parecer nº 15.
Os dois pareceres do CNE foram motivados por denúncias formuladas por Antônio da Costa Neto à Ouvidoria da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República sobre a utilização de “Caçadas de Pedrinho” na rede de ensino do DF. Nelas, o técnico de gestão educacional observava que as edições continham notas explicativas ao leitor de que a obra fora escrita em 1933, “num tempo em que os animais silvestres ainda não estavam protegidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), nem a onça era uma espécie ameaçada de extinção, como nos dias de hoje”. Costa Neto questionava que o cuidado com a contextualização da questão ambiental não se dava também em relação à temática racial.
Ontem, na audiência mediada pelo ministro Luiz Fux, os representantes do MEC e do CNE afirmaram que o Parecer nº 6/2011 “adensa o conteúdo” do Parecer nº 15 e esclarece pontos que, na época, foram “mal interpretados” como sendo censura à obra de Monteiro Lobato. O documento, segundo o MEC, contempla os pedidos do IARA no mandado de segurança, entre outros aspectos, ao recomendar à editora responsável pela publicação “a inserção, no texto de apresentação das novas edições, de contextualização crítica do autor e da obra” em relação aos estudos sobre estereótipos na literatura, “entre eles os raciais”.
Informaram também que “Caçadas de Pedrinho” foi distribuído às escolas públicas, por meio do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), em 1998 e 2003, e atualmente não faz parte do acervo do programa. A partir de 2005, os editais do PNBE passaram a excluir “obras que apresentem didatismos, moralismos, preconceitos, estereótipos ou discriminação de qualquer ordem”. Após mais de três horas de conversa, os impetrantes do MS 30952 concordaram em não pedir a anulação do parecer.
Formação continuada
Embora o Parecer nº 6/2011 estabeleça que os sistemas de ensino devam orientar suas escolas para a observância das diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, a principal crítica dos autores do MS 30592 é que essa recomendação “não chegou às salas de aula”. Por isso, insistiram na necessidade de implementação de medidas efetivas de formação e capacitação de educadores sobre a temática racial. “Apesar de todo o conjunto de normas existentes, elas não são obrigatórias, e muitos professores as acham desnecessárias, porque não veem racismo em Monteiro Lobato”, afirmou Antônio Costa Neto.
O MEC, por sua vez, afirmou que suas diretrizes estão comprometidas com as ações antirracistas. Segundo a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), 68 mil professores já foram capacitados nas universidades sobre relações étnico-raciais e, até 2013, outros 22 mil devem receber essa formação. Para os autores do MS, porém, esses números, num universo de dois milhões de educadores, ainda é muito baixo.
“O programa é uma realidade oficial, mas tem de chegar ao professor”, observou o ministro Luiz Fux. Nesse sentido, propôs que os autores do mandado de segurança formulem uma proposta com medidas concretas sobre o que é possível fazer, “em termos práticos”, para que as recomendações do parecer se concretizem em todo o sistema nacional de ensino.
Essas propostas devem ser levadas à próxima reunião com o MEC e o CNE, no dia 25 deste mês, às 14h, na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Até o dia 5 de outubro, as partes deverão informar ao relator do MS 30952 o resultado da reunião. Se houver acordo, ele deve ser homologado e o MS arquivado. Se não houver, o caso será submetido ao Plenário do STF.
Avanço
Para o ministro Luiz Fux, o resultado do encontro foi altamente positivo. “O ambiente se tornou tão otimizado que eles resolveram realizar uma nova reunião, entre eles, basicamente para implementar todas as políticas públicas estabelecidas no parecer, que vai muito além da proibição de livros de conteúdo racial”, afirmou. “Superada a etapa da nulidade do parecer, vão estabelecer modos de implementação prática do que ele prevê, a ponto de se tornar realidade nas escolas as recomendações ali contidas”.
Na abertura da audiência, o ministro observou que a convocação das partes na busca de uma solução conciliatória reflete a sensibilidade do STF diante da judicialização de valores e questões humanas e sociais. “Hoje, esses processos caminham ou para ações civis públicas ou para a conciliação”, afirmou.
Conciliação
A proposta de reunir as partes para se tentar chegar a um acordo tem sido posta em prática pelo ministro Luiz Fux com bons resultados em outras situações. Em março, com sua mediação, um acordo entre Furnas Centrais Elétricas S.A., a Federação Nacional dos Urbanitários e o Ministério Público do Trabalho pôs fim a um impasse de mais de 20 anos relacionado à terceirização de mão de obra na empresa e à não convocação de aprovados em concursos públicos.
O acordo, firmado no Mandado de Segurança (MS) 27066, estabeleceu critérios para a substituição gradual dos terceirizados por candidatos já aprovados em concurso público em 2009. O consenso, segundo o ministro Fux, “proporciona vantagens incomensuráveis para o país, à medida que os acordos pactuados, de uma só vez, preservam os interesses nacionais, os individuais dos trabalhadores e os princípios e regras contidos no artigo 37 da Constituição, bem como finda um embate inglório que perdurava por mais de duas décadas”.
Em junho, outro acordo foi celebrado, dessa vez entre o Estado do Amazonas e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Por meio de Ação Cível Originária (ACO 1966), o estado pretendia anular o tombamento do centro histórico de Manaus por vícios na tramitação do processo administrativo.
Depois da audiência, o estado se comprometeu a se manifestar administrativamente sobre o tombamento instituído pelo IPHAN. O instituto, por sua vez, deve colaborar franqueando o acesso aos documentos relativos ao processo. “O resultado assegurou, de uma só vez, a tutela do patrimônio cultural da cidade de Manaus pretendida pelo IPHAN, a preservação dos interesses do Estado do Amazonas na análise do mérito do tombamento e encerrou litígio de dimensão complexa que, muito provavelmente, duraria mais de duas décadas para ser dirimido pelo Poder Judiciário”, afirmou o ministro Fux.