O destino do "in dubio pro reo"

28/10/12

Artigo do advogado ANTONIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA na Folha de S. Paulo (27/10):
A jurisprudência do mensalão cria precedentes perigosos na segurança processual e nos direitos do acusado?
O destino do “in dubio pro reo”
Alvo de televisionamento, contendo o envolvimento de figuras proeminentes do mundo político, financeiro e publicitário. Colocado como um julgamento do comportamento ético de um partido político e dos seus governos. Posto como teste da imparcialidade do STF, pois a maioria dos seus integrantes foi nomeada pelos dois últimos governos. Envolvendo a sedimentada ideia de que no país as classes privilegiadas não são punidas.
O julgamento do chamado mensalão, com tudo isso, deixará marcas profundas no comportamento dos que operam o direito, como nos tribunais inferiores, e no próprio (in)consciente coletivo. Assim, certos aspectos de maior repercussão podem ser apontados, sem embargo de outros e dos efeitos do julgamento que só o futuro mostrará.
Para alguns ministros, nos crimes de difícil comprovação, o juiz não precisa de provas cabais, bastando indícios ou até a sua percepção pessoal para proferir uma condenação.
Em outras palavras, permite-se que o magistrado julgue por ouvir dizer, com base na verdade tida como sabida, mas não provada. Estará assim, na verdade, julgando com os sentidos e não com as provas.
É da tradição do direito penal dos povos civilizados a necessidade da certeza para uma condenação. Caso o juiz não tenha a convicção plena da responsabilidade do acusado, deverá absolve-lo. Trata-se do consagrado “in dubio pro reo” -na dúvida, absolve-se. Mais do que jurídica, essa máxima atende ao anseio natural de liberdade e de justiça. Não é justo punir-se com dúvida.
Alguns ministros, porém, pregaram a responsabilidade objetiva, com desprezo ao comportamento e à vontade do acusado.
Autoria criminal implica em um comportamento comissivo ou omissivo e na vontade dirigida à prática criminosa.
Exemplificando para explicar: a condição pessoal, digamos, do dirigente de uma empresa, por si só, não o torna culpado por crimes cometidos em prol de tal empresa.
Utilizou-se a teoria já antiga do domínio do fato para justificar punições incabíveis. No entanto, ao contrário do propalado, essa teoria exige justamente que o autor vincule-se ao crime pela ação e pela vontade de agir criminosamente.
Alguns pronunciamentos trouxeram preocupante imprecisão ao conceito de lavagem de dinheiro. Consiste na conduta utilizada para emprestar aparente licitude ao produto de um crime, ocultando e dissimulando a sua origem. Há a necessidade de uma ação concreta, diversa do crime anterior.
No entanto, alguns julgadores, de forma imprecisa, parecem querer considerar lavagem a mera utilização do produto do outro delito.
Usar o dinheiro sem a simulação de sua origem não é lavagem, mas natural decorrência do crime patrimonial. Considerar o mero uso como outra figura penal é admitir crime sem conduta própria e permitir dupla punição a só uma ação.
A sociedade não ficou inerte e nem apática. Reagiu ao julgamento, em regra aplaudindo condenações e criticando absolvições. Conclui-se que a expectativa é pela culpa e não pela inocência. Isso é fruto da disseminação de uma cultura punitiva, de intolerância raivosa e vingativa, que tomou conta da nossa sociedade, fazendo-a apenas clamar por punição, sem pensar em prevenir o crime, combater suas causas.
Não pode passar sem registro um outro aspecto extraído ou confirmado pelo julgamento do mensalão: o poder da mídia para capturar a vaidade humana e torná-la sua refém.
Nesse sentido, um alerta: todos nós, integrantes da cena judiciária, deveremos administrar as nossas vaidades, para que ela não se sobreponha às responsabilidades que temos para com o seu principal protagonista, o cidadão jurisdicionado.
ANTONIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA, 67, é advogado criminalista. Foi presidente da OAB-SP (1987-1990) e defende Ayanna Tenório no julgamento do mensalão.
Nota da redação: Ayanna Tenório foi inocentada no julgamento.