Caso Alstom exemplifica falhas já conhecidas de procurador

29/10/13

Do site da Conjur (Pedro Canário): O arquivamento de parte do inquérito que investiga os negócios da companhia francesa Alstom no Brasil não é o primeiro exemplo de falta de cooperação do procurador da República Rodrigo De Grandis com uma investigação. Sentença judicial e o advogado Renê Ariel Dotti apontam o procurador como um dos responsáveis pela falta de conclusão das apurações sobre as ilegalidades da famigerada operação satiagraha, que hoje aguarda julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
A desistência de parte do inquérito no caso Alstom foi noticiada pela Folha de S.Paulo no dia 26 de outubro. O motivo foi que, mesmo depois de intimado, o Ministério Público Federal em São Paulo não prestou as informações pedidas pelo Ministério Público da Suíça. Rodrigo De Grandis (foto), responsável pelas apurações no Brasil, disse ter havido “falha técnica”: os documentos teriam sido catalogados na gaveta errada.
Já no caso da satiagraha, além de documentos engavetados, houve ainda falta de ação e ações pela metade por parte do procurador, que é acusado de tomar depoimentos e não incluí-los no processo.
A satiagraha é a mais célebre megaoperação da Polícia Federal. Investigou crimes financeiros supostamente cometidos pelo banco de investimentos Opportunity e seus donos, Daniel Dantas e Dório Ferman. Decorreu da chamada operação chacal, que investigou crimes de espionagem industrial, também imputados a Dantas, durante a disputa pelo controle acionário da Brasil Telecom. A interessada em assumir o controle, que pertencia ao Opportunity Fund, presidido por Dantas, era a Telecom Italia.
De Grandis era o responsável pelo inquérito da satiagraha e, depois, pela ação penal que dela decorreu. A operação foi derrubada pelo Superior Tribunal de Justiça. Ficou descoberto que o delegado da PF responsável pelas apurações, Protógenes Queiroz (hoje deputado federal pelo PCdoB de São Paulo), contratou, ilegalmente, agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para “ajudar” nas apurações. Aplicou-se a teoria dos frutos da árvore envenenada: se as provas foram colhidas de maneira ilegal, toda a operação está contaminada.
A atuação de De Grandis é questionada em diversos momentos das apurações da satiagraha. A mais contundente das reclamações é feita pelo professor e criminalista Renê Ariel Dotti, que, em petição, acusa o procurador de ter interrogado mal uma testemunha e depois ter se recusado a mostrar o resultado do questionamento à defesa. De Grandis foi procurado pela revista Consultor Jurídico para responder às acusações feitas por Dotti, mas não respondeu às solicitações de pronunciamento.
Visita por engano
Durante as investigações da satiagraha, a PF fez uma diligência na sede da Angra Partners, sucessora do Opportunity no fundo de investimentos que controlava a BrT, o Opportunity Fund. Nessa visita de busca e apreensão, foram apreendidos diversos discos rígidos, computadores e uma agenda, em que o presidente do Angra, Alberto Guth, fez anotações.
Essas notas insinuavam o pagamento em dinheiro a pessoas envolvidas no episódio, e até de juízes e ministros.
Mas são apenas insinuações, sem provas concretas. E em busca de provas, Rodrigo De Grandis inquiriu Guth, supostamente a fim de saber o que aquelas anotações queriam dizer.
No entanto, conforme petição entregue pela defesa de Dantas ao STF no inquérito que apura a motivação da satiagraha, “o que deveria se constituir em interrogatório transmudou-se em declaração epidérmica”. O documento, assinado por Renê Ariel Dotti, afirma que o resultado do questionário “denota o interesse do procurador de não perquirir fatos com prováveis características de crime”.
“A oitiva enrubesce quem a lê, dada a superficialidade. Não se questionou sobre a corrupção de autoridades indicada nos manuscritos, cujo teor poderia suscitar pesquisa da verdade material. E pior, o procurador não instaurou procedimento investigatório, nem, ao que consta, tomou qualquer providência em relação a esse termo de declarações, mantendo-o oculto”, diz a petição, entregue ao STF em março deste ano.
Renê Dotti afirma, ao contrário, que “grande foi seu esforço” para que a defesa de Dantas jamais tivesse acesso ao depoimento de Guth. No fim de 2011, o Supremo proferiu liminar garantindo a Daniel Dantas o acesso às provas colhidas pela PF durante a diligência na Angra Partners. Diante disso, houve receio de que a PF se movimentaria para atraplhar o acesso a esses HDs e computadores.
Por isso, as Procuradorias Regionais da República no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo (onde trabalha De Grandis) foram intimadas para informar aos advogados de Daniel Dantas e Dorio Ferman se havia algum procedimento administrativo criminal relacionado ao caso. Rio e Brasília, segundo Dotti, prontamente responderam. De Grandis, não.
Diante da desídia na resposta à solicitação feita, passados mais de quatro meses sem qualquer resposta, Dório Ferman impetrou Mandado de Segurança perante o TRF-3 em face do procurador Rodrigo De Grandis. “Somente com a prestação de informações pela autoridade coatora foi que o recorrente viu confirmada a informação sobre a realização da dita oitiva”.
Apuração do método
A atuação do hoje deputado Protógenes Queiroz na operação satiagraha rendeu-lhe uma condenação por fraude processual e violação de sigilo profissional, conforme sentença do juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Crimnal de São Paulo.
Na sentença, Mazloum afirma que “o caso é emblemático”, pois representa “a apuração de um método”, descrito pelo próprio juiz: monitoramento clandestino, participação da Abin, “sérios indícios de infiltração de interesses privados na investigação oficial” e espionagem de autoridades. A conclusão de Mazloum é que Protógenes procedeu dessa forma porque tinha pretensões eleitorais, já que, entre os grampeados, estavam diversas autoridades ligadas a diversos partidos.
O que chamou a atenção de Ali Mazloum no caso foi o “completo esvaziamento da investigação” pelo Ministério Público. “O MPF nem ao menos quis investigar a ilegal participação da Abin na realização de funções exclusivas da Polícia Judiciária. Particulares, agentes (…) foram simplesmente deixados de lado pelo MPF”, discorre o juiz na sentença.
Ainda está para ser comprovada a atuação do empresário Luis Roberto Demarco, ex-empregado de Dantas e concorrente no mercado de ações, na satiagraha. Os autos da acusação de fraude e violação de sigilo de Protógenes constataram a existência de mais de cem ligações entre o delegado e o empresário. Mas o procurador Rodrigo De Grandis, à época, achou que essas provas não deveriam ser levadas ao caso, também conforme a leitura da sentença de Ali Mazloum.